A Square Enix conseguiu algo bastante engraçado com Final Fantasy XV, a sua maior aposta dos últimos anos: esboçou uma reação forte em jogadores desacreditados para uma lado positivo ou negativo. Pelo visto, mais positivo, já que há tempos não temos um Final Fantasy da linha principal de lançamentos capaz de arrancar tantos suspiros apaixonados de tantos jogadores ao mesmo tempo e ao redor do mundo.
RPG’s antigamente eram encarados por muitas pessoas como o tipo de jogo mais burocrático do mundo, e de certa forma isso pôde ser confirmado. Hoje em dia todo tipo de jogo tem elementos de RPG distribuídos principalmente como mecânicas. FFXV chega para democratizar de vez, de forma mais oficial do que nunca o fato de que o gênero é inegável e que é possível que pessoas de todos os gostos sejam atingidas positivamente por essa cultura.
JRPG’s têm o modo estranho e pitoresco de comunicação e narrativa dos japoneses e, talvez, isso seja uma ótima porta de entrada para interessados na cultura, que procurem entender e se aprofundar dos cantos de lá. O jeito que os personagens se importam, demais, com coisas mais simples e banais e como ignoram fases básicas de uma narrativa ocidental. A dedicação e paciência são pré-requisitos para se apreciar JRPG’s.
Final Fantasy XV, que herda muito do que os primeiros JRPG’s são, e dita a transformação ao longo do tempo, agora está ditando e ao mesmo tempo aprendendo com a indústria do lado de cá do globo. Não que essa indústria seja a resposta, a coisa sempre certa a se fazer, mas parece que se entregar ao modo de jogos de ação e RPG ocidentais funcionou direitinho como a Square Enix queria. Se no Japão o jogo não é esse estrondo todo, ao menos levou nota máxima em um dos veículos mais importantes de lá, a revista Famistu.
Por aqui, a aventura de Noctis é um diário aberto nas redes sociais, com jogadores abrindo sorrisos e cheios de fome. Durante o tempo de espera do jogo já sabíamos que Final Fantasy XV seria sobre uma aventura de amigos – que não eram tão amigos assim anteriormente! – mas foram forçados a viajarem para distantes terras depois de infelizes incidentes.
REI
Regis Lucis Caelum está prestes a receber um golpe político que, não por acaso, desarma toda a proteção que aquele mundo necessita, por motivos de cristais cobiçados. O pai amoroso, mas também dedicado demais a ser correto e bondoso com seu reino, acaba criando uma situação de distanciamento de sua cria, o príncipe Noctis.
NOITE
Ao contrário do que muita gente até hoje suspeita, Noct não é um personagem irritante, mesmo que na primeira impressão ele pareça um Squall com obrigações e deveres maiores. Se no anime (material produzido para melhor aproveitamento do universo FFXV) ele parecia tão irritante quanto o protagonista do VIII, na realidade se mostra uma pessoa amorosa, atenciosa (a não ser que o jogador queira ser o contrário no jogo) e que guarda um lindo amor por alguém que nunca mais viu, a princesa Lunafreya.
Muitas vezes a cobrança em cima dele no jogo, assim como esporros, não fazem muito sentido, criando uma situação forçada para que seja cumprida a jornada do herói moderno e problemático. Não, Noctis é mais forte do que a sinopse geral e os desejos americanos de escrever mais uma história nesse molde. No fim, ele é o futuro rei que todos merecem. Finalmente alguém sem medo de ser correto e humano em tudo, pois a indústria já está saturada de anti-heróis com seus dilemas egoístas. Noct está ciente de seu papel, que não envolve muito pensar em si proprio e ainda é atormentado pelas cobranças paternas, achando que não é bom o suficiente mesmo que tente ao máximo.
FOGO
A dedicação profissional de Ignis é tão forte, que se torna aparentemente a mais pessoal, a mais inconsequente, fazendo de tudo pela integridade física do príncipe. Ele é motorista da patota, ele cozinha os mais deliciosos pratos mesmo nas situações mais adversas e até se arrisca nas batalhas, entrando na frente do seu personagem para tomar dano por você, além de, é claro, sempre te curar quando pode. Sua busca pela receita preferida de Noct é contínua e implícita no jogo. É o personagem que vai deixar a boca de todo mundo aguada com suas receitas foto-realistas, com ingredientes daquela fantasia que podem fazer um jogador querer dar um dedo para poder um dia experimentar.
FLOR AMISTOSA
A brutalidade pode, no fim, produzir resultados delicados e bonitos. Gladiolus tem como missão tornar o príncipe mais forte e melhor nas artes marciais. Sua dedicação é bastante centrada mas ele não acha que Noct é digno da coroa (e do anel, neste caso). Tudo que o príncipe luta para não transparecer, ao grandão transparece por completo, causando pequenos surtos e brigas de quando em quando. Ele representa a parcela do durão que vai ter sua sensibilidade revelada em doses muito pequenas. Mas basta oferecer um Cup Noodles com carnes e temperos customizados, que você poderá ver uma parcela gorda desta personalidade se manifestar.
PRONTO
Sempre a postos, lá está ele, o garoto que tinha problemas com seu corpo quando era menor. Isso foi superado, mas a sua tristeza está lá dentro, em algum lugar. Dizem que pessoas espontâneas, engraçadas ou que falam demais são, na verdade, mentes atormentadas, griladas com alguma coisa. Por isso uma personalidade mais forçada, apresentada por estes, precisa receber o tempo todo a aprovação das pessoas ao redor. Prompto adora tirar fotos, principalmente de pessoas e, já que a viagem é longa e o personagem interior dele diz que tudo deve ser capturado, pois ele não sabe até quando a magia pode durar…
BELLUM
Definitivamente não chegue nesse jogo esperando dele um hack’n’slash ou qualquer coisa muito próxima disso. Acima de tudo Final Fantasy XV ainda é um RPG com suas burocracias. E, pensando bem, não lembro de ter jogado um game da série Final Fantasy exatamente delicioso em seu modo de batalha. Logo, é muita perda de tempo fazer as comparações de um jogo que só está ali para progredir no modo de batalha em cima de Kingdom Hearts e não em cima de Devil May Cry, Bayonetta ou God of War.
Os dois pontos fracos da batalha são os problemas de câmera, que vai se posicionar em locais estranhos para retratar a ação. O jogo é de bastante impacto visual e toda programação de câmera é feita para realizar uma fotografia fora do normal mas, as vezes, isso não entra em harmonia com a gameplay, fazendo da luta um palco do caos, onde não se sabe mais o que está acontecendo. vários inimigos que são velozes costumam também ser problema para o quarteto, pois a natureza do combate não costuma deixar fácil e justo para o jogador.
A parte de magia também é bastante pobre, sendo uma das partes mais esquecíveis do jogo. Elas são criadas num menu com uma versão simplificada do que era o sistema de criação de matéria de Crisis Core por exemplo. O problema é que elas são atiradas como granadas e essas magias ficam guardadas num slot que uma arma mais efetiva poderia ocupar. Além disso, se você não tiver uma futura habilidade muito especial, é normal para o jogo que haja fogo amigo nas magias. Assim, toda vez que você jogar um ataque de raio por exemplo, ele não apenas afetará o alvo como também uma área ao redor, o chão mesmo…. e também seu amigos, que certamente estarão lá ou por perto.
Fora isso, há um agradável sistema de roupas que afetam pesadamente o visual dos personagens. Cada personagem possui uma habilidade especial que pode ser equipada e acionada em batalha após pedaços de uma barra requerida encherem suficientemente. Já Noct, exclusivamente terá quatro slots para equipar como shortcuts. Neles você encaixa magias ou armas que mudam completamente o estilo de batalha, assim, existindo armas especificas que se mostram melhores para cada inimigo.
REGALIA
Certamente foi pensado no desenvolvimento: “já que descobrimos que talvez hoje em dia jRPGs sejam uma coisa chata demais para muitas pessoas, mas que possuem uma base consagrada demais para ser largada, podemos encaixar a contemplação deste maravilhoso mundo como recompensa para as tarefas massivas”.
O jogo possui, assim como um MMO, um número enorme de side quests com o mesmo tipo de tarefas de sempre para se fazer: matar monstros, pegar ou entregar itens, etc.
Para amenizar grandes distâncias existem alguns meios de locomoção: o carro que o rei presenteou seu filho. Regalia não é capaz de atingir grandes velocidades, não ao menos sem grandes upgrades. Ele também não é capaz de sair dos trilhos que são as estradas desse mundo, configurando assim que as voltas de carro servem para algo como um tour pelo mundo que, por acaso, levam os passageiros aos seus destinos. Se o mundo não lhe cativar – o que é bastante improvável de acontecer – o passeio no veículo pode se tornar chato facilmente, mesmo com a possibilidade de compra das trilhas sonoras de toda a série para se ouvir no rádio do veículo.
Uma simplória viagem também poderá ser interrompida pela vontade aleatória dos ocupantes, geralmente por Prompto, que sugere o tempo todo locais interessantes para se tirar fotos. Se o jogador concordar o tempo todo que tudo aqui é sobre prioridades longas de animações, tudo em passos muito serenos, um de cada vez e demorado, tudo bem.
Os controles do carro são bastante automatizados, indicando com cada vez mais força que o foco, assim como na batalha, não é ser outro jogo, como um Need for Speed, por exemplo. Deixar o Regalia lhe conduzir, seja lá de qual forma for, é melhor do que esperar longos loadings que ocorrem quando o jogador tem acesso a fast travel das áreas.
Se quiser algo mais tradicional e livre, os adoráveis chocobos sempre estão em cada cidade, prontos para serem alugados por diárias. Com eles, você pode livremente passear pelas estradas e campos, além de fazer pequenas atividades que envolvem os amigos penosos como corridas, que valem medalhas, e você pode fazer uma montaria com os adornos, bem legal!
Acima de tudo, procure um lugar safo como acampamentos, cidades ou hotéis de beira de estrada para passar a noite, pois os você não vai querer enfrentar os tais demônios que brotam do chão a cada metro. Eles estão um nível muito avançado e são tão ferozes que mesmo no total breu da noite podemos ver à distância os inimigos brigando entre si nos campos. Aliás, eu só pude enxergar porque as espadas flamejantes deles indicavam atividade. Nesse momento o jogo oferece uma pequenina pitada de jogo de terror, então o mais recomendado é buscar abrigo.
MUNDI
Final Fantasy XV traz um esquema quase inverso ao Final Fantasy XIII em termos de mapas, já que oferece um local totalmente rico e aberto logo de cara e, mais pra frente, no meio do jogo, quem estiver fazendo as missões principais vai parar em áreas mais lineares, com caminhos únicos, semelhantes a jogos como FFX.
É claro que, depois, você poderá retornar ao mundo aberto para fazer o que bem entender, mas é preciso apontar que o infame capítulo 13 é realmente irritante, como muitos disseram. Nessa parte o jogo se reduz à mecânica do XIII no quesito de estreitar cada vez mais a exploração, resumindo tudo num corredor interminável com curvas e labirintos em chatas instituições, tomando mais de uma hora do nosso jogo.
Para completar a história principal será necessário entregar por volta de 20 horas de seu tempo, mas, para as side missions, que também podem ser feitas após o final, esse total pode ir além de triplicar, só dependendo de quanto o jogador deseja explorar da obra.
ALIAS OPERATIONES
As atividades adicionais, empregadas a cada personagem, servem não só para enriquecer a narrativa, mas também para agregar elementos na mecânica entrelaçada do jogo, que resulta em poder para derrotar inimigos mais e mais fortes. Gladio terá níveis separados para técnicas de sobrevivência, enquanto Noct terá níveis de pescaria. Já Ignis obviamente tem níveis de culinária e Promto de fotografia. De tanto fazer essas atividades seus personagens melhorarão sua habilidades relacionadas, proporcionando no fim um aumento de estatísticas, ou coisas mais estéticas, como a habilidade de aplicar filtros às fotos que Prompto tira.
CONCLUSÃO
É muito importante ressaltar que, apesar de Final Fantasy XV estampar como tela inicial a frase “Um Final Fantasy para fãs e novatos”, isso não significa que ele seja obrigado a ser um jogo como outro qualquer. Sua obrigação é de ser um Final Fantasy e, se olharmos em retrospecto a série, vamos descobrir que sempre abrimos mão de muitas coisas que hoje são tão antiquadas, que não casam, com a proposta de uma franquia nascida há menos de 10 anos. FFXV é, acima de tudo, um Final Fantasy: delicado, contemplativo e com uma profundidade de mecânicas difícil de ser escavada, mas que está lá.