Depois de Limbo, a Playdead nos proporcionou mais um jogo indie de sucesso absoluto chamado Inside, lançado no dia 29 de junho de 2016. Depois do sucesso seu antecessor, lançado ainda em 2010, muito se esperava a respeito deste novo game que, supostamente. teve sua produção iniciada logo após o lançamento de Limbo e demorou 6 anos.
Inside é mais um desses jogos de rolagem lateral no que se denomina 2.5D, ou seja, um game com jogabilidade 2D em ambiente com profundidade e elementos que simulam um pseudo-3D. Ou algo semelhante.
Quando comecei a jogar achei curioso o fato de o game iniciar, logo de cara, com o garoto adentrando um ambiente com cara de gruta, vindo não se sabe de onde e correndo não se sabe de quem. E achei mais interessante ainda perceber que este sentimento não me abandonaria durante praticamente todo o tempo que joguei Inside. Não raro, ouvi relatos de muitas pessoas que continuaram com esta sensação por dias e dias depois de encerrarem a aventura.
Já posso relatar aqui, no início desta análise, que a única certeza que tive a respeito deste game foi de que mergulhei numa das melhores obras de 2016. E quando afirmo ser “uma das melhores obras de 2016”, não quero dizer apenas no mundo dos games, mas no mundo do entretenimento em geral. Por este mesmo motivo, publico esta análise sem spoilers ou, ao menos, tomando o maior cuidado possível para segurar a empolgação de falar a respeito.
Nesta aventura o jogador assume o papel de um garoto qualquer que, aparentemente, foge de um vilão qualquer, correndo para um lugar qualquer, por um motivo qualquer. Caso tenha ficado muito vago, acalma-se e acostume-se! Esta sensação o acompanhará durante toda a aventura e não tenho pretensão alguma resolvê-la aqui.
Agora, tente imaginar um jogo com a descrição a cima e que você não consegue parar de jogar de jeito nenhum até terminá-lo. Difícil não né? Mas isto é Inside. Um grande mistério antes, durante e depois.
Sua ambientação transmite uma mensagem clara logo no início: Há algo errado com este mundo! Pessoas alienadas, mecanizadas como máquinas, consumidas como produtos, vivendo em meio à destruição, à corrupção, guerra, doença, tirania… soa familiar?
Durante o decorrer do jogo fica claro que os problemas do mundo de Inside não são muito distantes dos problemas do nosso próprio mundo. De forma bastante alegórica, o universo distópico de Inside ganha semelhança ao nosso próprio universo enquanto você supostamente decifra seus meandros e suas tramas.
Visual e jogabilidade de tirar o fôlego
Como já dito aqui, Inside se trata de um jogo em duas dimensões (2D), que muito pouco se diferencia de seu antecessor, Limbo, no estilo de jogabilidade. Porém quase imediatamente conseguimos enxergar aonde foram investidos os 6 longos anos da sua produção.
Desde a movimentação praticamente perfeita dos personagens até o meio ambiente minuciosamente trabalhado, Inside se coloca como uma das obras tecnicamente mais perfeitas de todos os tempos na indústria dos games.
Começando pelo visual, é possível observar o imenso cuidado adotado na construção dos cenários. Telas que se perdem em um horizonte infinito, cheio de detalhes. Não consigo me recordar de nenhuma outra obra onde você consiga perceber, numa tela 2D, a profundidade infinita de um milharal. Sim, uma plantação de milho que vai até onde a vista alcança. Esta sensação é tão perfeita que, em muitos momentos, acontecem três ou mais ações numa mesma tela, cada uma se passando em distâncias diferentes do horizonte.
Explicando melhor; Enquanto seu personagem se esconde atrás de algumas caixas no primeiro plano, o jogador acompanha uma fila de pessoas marchando para dentro de uma fábrica em segundo plano, ao mesmo tempo em que “os vilões” fiscalizam estes trabalhadores num terceiro plano e cães destroçam um corpo inerte em um plano mais adiante ainda. Tudo isso ainda muito distante do fim do cenário.
Da mesma forma, a movimentação dos personagens é meticulosamente calculada de forma que cada passo, corrida, pulo e interação com objetos realizada pelo jogador façam a diferença na solução de um puzzle, já que os quebra-cabeças são a principal mecânica de Inside. Arrastar uma caixa, lançar uma pedra, se agarrar a uma corda e esconder-se nas sombras são movimentações tão naturais, claras e fluídas, que raramente o jogador vai desistir de um desafio antes de descobrir sua solução. Mesmo que ela seja difícil de alcançar na primeira tentativa.
E, apesar das múltiplas dimensões de ação e movimentação, nem o ambiente nem a jogabilidade se tornam pretensiosos demais em momento algum, sendo o jogador capaz de acompanhar e interagir com o mundo e seus acontecimentos simultâneos com total perfeição. E a Playdead não se contentou em fazer com que o jogador perceba isto. Não, seria fácil demais! Em muitos momentos o jogador DEPENDE da sincronia perfeita de todas as ações da tela e dos botões do controle (ou teclado) para salvar sua vida.
Em Inside a perfeição é quem dá o tom da jornada. Na maioria das vezes você será capaz de fugir de um cão raivoso que o persegue, saltando no exato momento em que ele pula para te dar a dentada fatal. Muitas vezes a vida do personagem é salva por míseras frações de segundo, pouquíssimos milímetros, ou pelo momento exato de pressionar o botão correto nos controles. E o jogador sentirá esta aflição como se fosse na própria pele.
Ao contrário de seu antecessor, Limbo, as mecânicas de Inside são tão perfeitas que é comum as pessoas comentarem que morreram poucas vezes durante todo o jogo, mesmo encarando desafios tão milimetricamente calculados. A morte certa está à espreita e essa sensação também foi milimetricamente calculada para que o jogador se sinta compelido a continuar até o fim.
Para ser ouvido de dentro para fora
Depois de jogar Inside não me contentei em procurar todas as teorias a respeito da sua jornada e do seu final imprevisível. Não me contentei simplesmente porque sou um fanático por trilhas sonoras e design de som e, se tem uma coisa que torna este jogo imersivo, é sua sonoplastia.
Desde a primeira tela você é capaz de escutar todos os sons de uma floresta e, ao fundo, o leve gotejar perfeito de uma caverna, com grama crepitante e arbustos farfalhantes. Tudo é perfeito, aliás, e, claro, a trilha sonora é capaz de arrepiar até seu último fio de cabelo.
Em minha jornada de conhecimento sobre a produção de Inside descobri coisas espetaculares como, por exemplo, o fato de que toda a trilha sonora foi mixada e depois reproduzida dentro de um crânio humano para ser captada em sua versão final.
Sim, meu amigo, Martin Stig Andersen, compositor e designer de som, diretor de áudio de Inside, utilizou um crânio por acreditar que o som real das nossas vozes, por exemplo, não é o que se propaga pelo ar, mas aquele que reverbera dentro da nossa cabeça, onde nossos ouvidos realmente se encontram.
Para Andersen, boa parte do som que escutamos reverbera dentro e não fora de nossos corpos. Em suas próprias palavras, “tente tapar seus ouvidos com as mãos e fale algo ou cante; é a este som que me refiro”, e foi esta sonoridade que o compositor reproduziu com o intuito de humanizar o jogo.
O compositor percebeu que o simples trabalho de sintetizar sons e músicas num estilo “cool 80’s” para este jogo não seria o suficiente. Para criar um mundo único, Andersen alcançou timbres impossíveis de sintetizar eletronicamente ao passar todo o som dentro de uma cabeça humana.
Confira aqui, por exemplo, a trilha sonora do game antes de passar pelo crânio:
E agora a versão final do jogo, gravada dentro do crânio humano:
Você encontra mais informações a respeito neste excelente artigo do Gamasutra.
Impressionante o quão orgânica ela soa, não? E a sensação que se tem ao jogar nesta performance de som é, ao mesmo tempo, claustrofóbica e coerente. Você não quer estar naquele mundo tanto quanto seu personagem, mas é pelo mesmo motivo que você não pode abandoná-lo ali, sozinho.
Foi com este tipo de cuidado que Inside foi produzido, desde a sua trilha sonora e sonoplastia memoráveis até a ambientação visual precisa.
Mais uma vez reforço, a produção deste jogo se trata de perfeição.
Minha análise final sobre Inside
Quando comecei esta análise me comprometi a não incluir spoilers sobre a história. Inside é uma obra para ser vivida por cada jogador, abstraída por cada indivíduo e interpretada pela sua consciência.
Do meu ponto de vista, Inside não difere em nada de um quadro abstrato em um museu. O artista que o pintou utilizou a técnica perfeita para exacerbar um conceito. Inside foi criado com a melhor tinta sobre a melhor tela, com o pincel mais apropriado, nas mãos mais precisas, apoiadas sobre o cavalete mais firme, em um dia (ou 6 anos!) de forte inspiração artística na indústria dos games.
Agora cabe a cada jogador observar este quadro e tomar suas decisões sobre o que ele representa. Alguns vão enxergar comparações com a nossa realidade. Outros vão encontrar uma história surreal de grande impacto psicológico. Outros vão achar a obra plasticamente bonita e tirarão uma selfie com ela… cada um encontrará sua verdade ali.
Mas, alegorias à parte, considero Inside um dos jogos supremos de 2016. Não esquecendo que este ano tivemos tantos lançamentos incríveis e lendariamente aguardados como o último Uncharted (4), The Last Guardian, Final Fantasy XV, DOOM, Overwatch e inúmeros outros jogos espetaculares para concorrer direta ou indiretamente com ele.
Por este mesmo motivo, Inside concorreu a diversos prêmios, entre eles as nomeações para “Game of the Year”, “Best Narrative” e “Best Music/Sound Design” no Video Game Awards 2016, vencendo as categorias “Best Art Direction” e “Best Independent Game“, entre tantas outras premiações importantes.
Inside se tornou um daqueles raríssimos jogos pelos quais, ao terminar de jogar, parei, pensei e afirmei: É por isso que jogo vídeo games!
Você também deveria tentar.