Battlefield 1 foi uma grande aposta calculada da EA DICE. Esta afirmação ficou clara desde o início, quando um pequeno teaser do jogo mostrou indícios de que o novo FPS seria ambientado na Primeira Guerra Mundial.
Séries como Battlefield e sua principal rival, Call of Duty, seguiram o padrão lógico de desenvolvimento dos first person shooters desde o início: Ambos nasceram carregados pelo cenário da Segunda Grande Guerra, o mais conhecido confronto mundial, estressado e diluído pela cultura pop. Dali, ambos evoluíram passando pelos demais palcos bélicos que o mundo acompanhou até chegarem, inevitavelmente, ao combate moderno e ações policiais.
Foi neste momento que as atuais produtoras de CoD, a Infinity Ward, e de Battlefield, a EA DICE, tiveram que tomar a difícil decisão do próximo caminho a seguir. Call of Duty, como sabemos, seguiu sua própria linha do tempo e desembarcou nas guerras do futuro com seu Infinite Warfare.
Tratando-se de jogos FPS, onde os jogadores se colocam no papel dos personagens principais e fazem parte da ação diretamente, a escolha do ambiente, dos personagens e dos sistemas de jogabilidade transformam-se em parte essencial do “gosto” pela jogatina.
A sensação de pertencimento tem que ser precisa para que alguém gaste muitas e muitas horas por dia jogando estes games de tiro em primeira pessoa. E é a verdadeira métrica da qualidade destes jogos. Algo a que, tanto a série Call of Duty quanto Battlefield e suas concorrentes já estão acostumadas, pois passaram por diversos altos e baixos, com notas do Metacritic que variam desde a casa dos 60 até os 90 no total de 100 pontos.
Posto isso, voltamos à grande aposta calculada da EA DICE. A tradicional decisão de iniciar uma série de FPS ambientado na Segunda Guerra Mundial é simples: Uma guerra que conhecemos, muito abordada pela história e pela cultura pop, como já dito, com mocinhos e bandidos claros e com a qual nos identificamos inúmeras vezes em filmes, livros, músicas e até histórias de família.
Mas a escolha da WWI para Battlefield 1 foi diferente. Quem se lembra do império Austro-Húngaro ou do Império Otomano? Alguém seria capaz de citar um grande herói da primeira guerra sem demorar um bocado para lembrar do Barão Vermelho ou sem ser um verdadeiro especialista para citar Henry Johnson ou Alvin York. Além disso, alguém sabe dizer com precisão quem lutou com quem nesta guerra ou, mais improvável ainda, quem venceu este embate no final das contas?
Muito além dos bancos da escola, poucos foram os filmes que retrataram com precisão, sem romantismo exagerado, estes conflitos de trincheiras. Já no mundo dos games, eu, para ser sincero, consigo apontar apenas um jogo moderno que tenha se tornado realmente clássico sobre este evento. Criado pela Ubisoft Montpellier, Valiant Hearts: The Great War foi o primeiro jogo sobre o assunto que me mostrou a realidade da época, fatos históricos factíveis e que arrancou lágrimas de todos na sala de casa com o seu enredo envolvente e espetacular.
E foi neste mesmo ambiente que Battlefield 1 se baseou. Antes mesmo de começar a jogar confesso que tive medo. Sempre fui um fã de história e dei aulas particulares na época do colégio. Eu conhecia alguns heróis, mas sabia também que a Primeira Guerra Mundial havia sido, ao mesmo tempo, visceral e monótona. As batalhas à mão nua das trincheiras, com distribuição de socos e pontapés, se equipararam em importância com a invenção das novas tecnologias militares que envolviam de tanques de guerra à armas químicas poderosas.
Frontes onde milhões de soldados pereciam tentando conquistar apenas uma casamata em particular contrastavam completamente com histórias como a retratada no filme francês Joyeux Noël (recomendadíssimo, por sinal!), onde soldados inimigos entrincheirados deixavam de lado a batalha para curtir o natal com os adversários. Era uma guerra entre países, que envolvia o mundo todo, mas quem lutava e morria eram pessoas muito comuns.
Como um ambiente tão desconhecido e tão variado poderia ser retratado por um jogo de pura ação e aventura? Esta questão rodou pela minha cabeça desde o primeiro trailer até momentos antes de comprar o jogo, quando assisti ESTE vídeo com um historiador falando sobre Battlefield 1 e a forma como todos estes fatores foram retratados. O entendimento de que, salvas as devidas proporções e liberdades poéticas, o jogo consegue captar a essência cruel do conflito com flashes solidários das pessoas me deixou com uma absurda vontade de experimentar.
Battlefield 1 e a realidade que pouco conhecemos
Logo no início Battlefield 1 transporta o jogador diretamente para o combate, onde a genialidade aparece na introdução/tutorial. Uma mensagem imediatamente avisa que você não vai sobreviver e, a cada morte, aquele soldado com que você jogava recebe um nome (Robert Doe, por exemplo) e a data de seu nascimento e morte (1895 – 1918), naquele exato instante em que a última bala o atravessou.
Esta mecânica simples, conectada ao fato de que mais de 60 milhões de soldados perderam a vida na Primeira Guerra Mundial, dá, pela primeira vez, realidade e coesão à própria gameplay do jogo. A cada morte (uma constante nos FPS do estilo) o jogador assume o controle de um novo soldado, mostrando o quão banalmente foram desperdiçadas milhões de vidas ao longo da guerra.
Daí em diante o terror e a morte se tornam constantes reais, perceptíveis a quem está atrás do controle. Mas como dar a estas mortes sua devida importância, não permitindo ao jogador transformar isto em algo corriqueiro? A resposta vem no tópico que abordaremos a seguir.
Modo campanha e os personagens da guerra
A visão romântica do herói-mártir percorre o mundo dos livros, dos filmes e até dos games como uma das melhores fórmulas de sucesso de narrativas em todas as mídias do mundo. Ceder a vida em prol do bem maior ou de outras pessoas parece algo muito bonito. Lutar pela justiça e pela liberdade não é o suficiente quando se pode morrer por elas. Tudo muito lindo de se ler, assistir e jogar.
Mas a mensagem de Battlefield 1 é clara: A Primeira Guerra Mundial não teve vencedores, apenas mortos.
E para não tornar estas mortes apenas uma questão de contabilidade, durante a curta campanha do jogo encarnamos alguns dos heróis desconhecidos que deram seu sangue e suas vidas à glória desta guerra, sem reconhecimento algum. Heróis que podiam ser jovens ou velhos, crianças inocentes ou veteranos de muitas batalhas. E apenas duas coisas os uniam: O medo e a morte.
Momentos surpreendentes de bondade ou verdadeiras transformações de caráter. Esta guerra foi feita por pessoas. Pessoas muito comuns, que tiveram seus momentos bons e ruins. E isto foi retratado de forma espetacular pelo jogo.
A campanha traz apenas cinco histórias bem curtas que nos levam a conhecer, além das diversas armas, veículos e mapas, uma diversidade rica de gráficos e gameplays. Já os personagens são poucos mas, mesmo em histórias que duram menos de uma hora, você será capaz de se apegar a eles.
São simplesmente contos de guerra. Esta é a melhor definição resumida que consigo pensar para a campanha de Battlefield 1. Ao mesmo tempo, sua diversão e profundidade conseguem nos mostrar toda a qualidade deste jogo.
Desde a história de um chofer de madame que se torna um motorista de tanque de guerra até um salafrário que rouba um avião para se tornar um duvidoso herói das batalhas aéreas, tudo gira em torno de personagens desconhecidos que ganham a maior importância durante um curto espaço de tempo. A guerra traz à tona toda esta frivolidade, pequenos sopros de vida, heroísmos e solidariedade que pessoas comuns alcançam durante momentos de pressão e necessidade.
Mas chega de falar romanticamente a respeito do modo campanha. Battlefield 1 tem, ao mesmo tempo, que ser ovacionado pela qualidade das suas histórias e lembrado duramente pela brevidade delas. Quando você realmente pega gosto pela coisa percebe que chegou ao último capítulo, o que deixará alguém que não aprecia jogos multiplayer satisfeito qualitativamente, mas brutalmente insatisfeito quantitativamente.
Trata-se de uma campanha densa e curta, com fator de replay muito bom, mas que, pela brevidade, não me fará jogar novamente estas histórias tão cedo. Os contos permanecem frescos na minha memória por serem curtos e marcantes, o que me leva a pensar que voltarei à campanha, talvez, apenas mais uma ou outra vez, para relembrar um pouco melhor, alguns meses mais para frente.
É evidente que a campanha serve para ambientar e conectar o jogador ao multiplayer. Então, você que gosta de jogos para brincar sozinho e abomina sessões multijogador, melhor conhecer o jogo na casa de um amigo, investir algumas horas na campanha e deixar por isso mesmo.
O multiplayer e o realismo de Battlefield 1
Sejamos sinceros. Quando falamos da série Battlefield, o que nos vem à mente são aquelas jogatinas infinitas por noites a fio com os amigos. Mesmo que você não jogue com seus amigos online e prefira uma “carreira solo” no multiplayer do game, passar horas conquistando territórios e levantando bandeiras talvez seja a parte mais marcante da série.
Um jogo para quem gosta de multiplayer com uma curta mas excelente campanha. Isto é Battlefield 1.
Apesar da campanha densa, Battlefield 1 não foge a esta regra e, mesmo a campanha, claramente trata-se apenas de um prelúdio para as centenas de horas que você vai investir jogando o multiplayer.
Para começar, gostaria de falar o jogo comparado à própria série. Tanto os mapas quanto as armas e os veículos de Battlefield 1 estão entre os mais equilibrados que já vi. Sim! É muito bom saber que você pode variar tanto em um jogo sem perder a paciência porque outro jogador está usando “a classe mais forte”.
Para quem se desespera com aqueles jogos onde você nasce e logo é morto por um sniper bem posicionado, acalma-se. Uma inesperada neblina nos Alpes ou uma grande tempestade de areia no deserto chacoalharão a gameplay para todo mundo e a batalha pode virar por conta das intempéries. Snipers serão caçados como fantasmas cegos e tanques e aviões surgirão do nada para irromper pelo fronte com torrentes de balas e explosões. Tudo é orgânico em Battlefield 1, principalmente as batalhas.
Além disso os mapas são extremamente bem balanceados e a tradicional vertente de “atacantes contra defensores” da série Battlefield faz com que times mais fracos tenham chance de surpreender com uma tática espetacular, algo bem trabalhado nesta edição da franquia.
Eu mesmo, durante uma partida em que fui líder de pelotão, me surpreendi ao criar uma excelente tática de conquista e vencer uma série de partidas em sequência. Confesso que nunca fui o melhor jogador de FPS entre meus amigos. Tradicionalmente morro muito mais do que mato. Mas em jogos de estratégia poucos são páreo para mim e foi uma alegria enorme perceber que Battlefield 1 permitiu aplicar com precisão meus melhores recursos táticos para levar o time à vitória.
Outro recurso do qual não sou muito fã neste tipo de jogo também está presente. Eu não dou a mínima para skins de armas, sério. Mas me irrito um pouco ao pagar uma nota em um jogo FPS e ter que liberar novas armas e equipamentos com war bonds, o “dinheiro” do Battlefield. Não que faça tanta diferença, porque as armas realmente são equilibradas, mas ser surpreendido de vez em quando por um jogador nível 70 que possui um equipamento capaz de mostrar exatamente minha localização no mapa ainda é muito frustrante, mesmo sendo um problema menor para quem está acostumado com estes jogos.
As tecnologias e a dissonância ludonarrativa
Esta era outra preocupação que eu tinha era em relação ao equipamento e armamento em si. Sejamos realistas, durante a Primeira Guerra Mundial aquelas “espingardas de caça transformadas em armas de guerra” eram extremamente imprecisas e, nas mãos de pessoas comuns, se tornavam algo terrível. Era extremamente comum que uma arma simplesmente emperrasse no meio de um grande tiroteio, que um avião “tirado da pulverização de plantações e transformado em bombardeiro” estolasse logo na entrada de um looping, sem contar com os míseros 22 tanques de guerra pesados construídos pelos alemães, dos quais menos de 15 conseguiram chegar até os campos de batalha.
Somamos a isto fatos históricos como, por exemplo, o exército russo, que enviava suas tropas com 50% dos soldados desarmados de forma que eles precisavam esperar um colega morrer para finalmente pegar o rifle dele e partir para a briga.
Sim, foi uma guerra totalmente experimental em termos de tecnologia. Pode-se dizer até que a tecnologia moderna já havia nascido, mas ainda engatinhava. Nos campos de batalha você via tanques de guerra lutando lado a lado com cavaleiros armados com espadas e armaduras.
Tendo isso em vista, tive medo de que tanto o excesso de realismo quanto a falta dele fizessem de Battlefield 1 um jogo irritante e improvável. Para minha alegria, este ponto também foi extremamente bem equilibrado pela EA DICE.
Retratamos uma parte da história sim, mais isto ainda é um videogame. – Esta poderia facilmente ser a frase utilizada para sintetizar gameplay vs. realidade neste jogo.
Apesar de seguir de forma muito aceitável o período histórico no qual está inserido, você vai jogar um verdadeiro e divertidíssimo jogo de videogame. E isto é muito importante. Em Battlefield 1 seu rifle não vai emperrar ou sofrer com desvios de mira. Tanques de guerra surgirão sem limitações no seu quartel-general. Os aviões farão loopings consecutivos e realizarão tork rolls que os pesados e fracos motores daqueles primórdios da aviação nunca poderiam suportar.
Estas e muitas outras incongruências existem, graças aos deuses! Porque foi esta liberdade quem tornou este jogo TÃO DIVERTIDO.
Já vi muitos reviews falando mal destas incompatibilidades históricas mas, fala sério gente! Isto é um jogo de videogame e você e eu, amigo, queremos mais é nos divertir. Se você quer realismo e precisão, existem livros e filmes muito bons que não vão te irritar porque “os controles deste avião são impossíveis” ou “esta metralhadora não funciona mais depois que atravessei o rio”. Realismo é importante e existe em grau meticulosamente calculado dele neste jogo. Fora isso, seria impossível passar tantas horas se divertindo horrores em um jogo de guerra de 1918, com armas que remontam ainda ao século XIX.
Minha conclusão sobre Battlefield 1
Fazia muito tempo que eu não me viciava de verdade em um jogo first person shooter. Digo mais, fazia muito tempo que estes jogos não me impressionavam além das suas propriedades gráficas.
Desde que comprei Battlefield 1 não consigo parar de jogar. Quando termina meu horário de trabalho e pego para “jogar só um pouquinho”, invariavelmente me deparo com o relógio marcando 4 horas da manhã.
Sempre penso naqueles amigos com quem jogava Counter-Strike ou Medal of Honor e que hoje nem sabem mais o que significa videogame. Poderiam perfeitamente voltar a tomar gosto pela coisa jogando Battlefield 1 e, provavelmente, alguns deles o farão uma hora ou outra. Já estou até preparando um encontro para introduzi-los ao game.
Gráficos impressionantes, campanhas instigantes, jogabilidade quase perfeita e um multiplayer equilibrado fazem de Battlefield 1 minha escolha natural como o melhor FPS da última década e, possivelmente, um dos melhores de todos os tempos.